quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

No vale sagrado dos Incas

Nos séculos XIV e XV, a civilização Inca dominou em territórios dos actuais Perú, Equador, Bolívia, Argentina e Chile, centrando-se na cordilheira dos Andes. O império Inca tinha por capital a cidade de Cusco e ficou marcada por uma estratega organização política, com eficientes redes de comunicação por estradas entre Cusco e as longíquas regiões do império, províncias regidas por governantes leais ao imperador. Os Incas foram excelentes construtores em pedra, o que testemunha não só o-que-não-precisa-de-apresentação Machu Pichu, mas uma série infindável de estruturas arquitectónicas em todo o território Inca, algumas religiosas, cívicas ou militares que subsistem hoje como ruínas, outras ainda em uso. Falo sobretudo de socalcos, em pedra, que permitiram e permitem ainda a agricultura em regiões montanhosas. Os cultos, segundo o que nos contam guias e historiadores, centravam-se em elementos naturais como o sol (inti em quetchua) ou a mãe terra (pachamama). Nós ficámos bastante impressionados e temos reflectido sobre este foco dos Incas na agricultura, no que nos pareceu uma ligação intensa com a terra enquanto elemento sagrado. De que outra forma podemos compreender a existência de tanto espaço agrícola, interpretado pelas estruturas de socalcos em pedra, em locais sagrados e de culto, em espaços que evidenciam ter tido grande importância na malha arquitectónica?

Visitámos o vale sagrado dos Incas, que desemboca no Machu Pichu, e que - li algures - poderá ter sido considerado como o paralelo da via láctea na geografia e urografia andina. É um vale lindo, entre escarposas montanhas, que caminha em direcção à selva amazónica. Nas escarpas as populações usam técnicas agrícolas tradicionais e constroem em terra, hábitos ecológicos impostos pela escassez de dinheiro. Aqui encontrámos o testemunho Inca de Maray. Julga-se que os socalcos concentricos serviram como laboratório de agricultura: variações de luz/sombra e elevação resultam numa variação de microclimas de degrau em degrau, que permitem estudar a adaptabilidade de diferentes espécies a diferentes condições climatéricas.

Ollantaytambo é uma vila Inca habitada. Grande parte das ruas, casas e sistemas de transporte de água/ irrigação remontam a essa época. Existe em Ollantaytambo um espectacular conjunto arquitectónico, religioso e militar, no topo de estruturas em socalcos. Em cima, um local de culto a Pachamama, construído com gigantes blocos de granito trazidos de quilómetros de distância e trabalhados de modo a encaixar, sem argamassas de ligação. Um imponente tributo à mãe terra, emoldurado por socalcos de áreas supostamente cultivadas. Se é que me posso apoiar no relato recolhido de diferentes guias que contam histórias distintas, julgo ser uma imagem lindíssima, o culto à natureza através agricultura e por ela também, no tempo dos grandes mestres do cultivo que souberam plantar centenas de espécies diferentes de milho e de batata!

Por fim o Machu Pichu. Totalmente rodeado de montanhas escarpadas, cobertas de vegetação que indicam o início da selva, é um conjunto arquitectónico em pedra, com muitos socalcos... e muitas construções, algumas simples, outras feitas de imponentes blocos graníticos encaixados. É soberbo! Tão pouco aqui os guias estão em consenso. Fala-se de palácio de Verão do imperador ou de grande centro religioso. A versão que mais gostámos foi a de centro de conhecimento: Machu Pichu funcionaria como uma universidade para os conhecimentos da terra e agricultura, da cosmologia e astronomia, dos cultos e ritualística.
A grande força dos Incas decaiu com a chegada dos espanhóis e a sua cultura e língua quechua foi-se misturando. Machu Pichu foi abandonado, não se sabe porquê. O testemunho Inca está nos indígenas de hoje, mais do que nos muros desabitados de outrora. Cabe a todos nós proteger e incentivar as culturas locais, onde quer que estejamos, re-conhecer a importância do culto e cultivo da terra e preservar a riqueza multi, pluri, transcultural no mundo em que vivemos.
Sara

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